Friday, August 15, 2008

O INDEPENDENTE. 1990


O INDEPENDENTE
Consolo Remoto
1990


"Na vida real, Keaton acredita em Deus. Mas também acredita que o rádio funciona porque há criaturinhas dentro dele" - Woody Allen, Esquire

Ainda novo, em termos de Igreja sou um cristão-velho. Renegando o Vaticano II, rechaçando aos gritos de "Mata-frades!"jesuítas e luteranos, para mim a Igreja, no seu "modus operandi", devia ir recuando pelo menos até‚ aos idos de 800-857 D.C. Quanto mais bafio mais santidade no bafo.
A essa saudosa calenda, há mais de mil anos, remonta o último pontificado literalmente "cheio de graça" da história da Igreja, o pontificado da proscrita Papisa Joana. A Papisa Joana reinou sob o cognome peludo de João VIII. Fazendo-se passar por homem conseguiu o santo assento de Pedro e Paulo sem que em Roma alguém suspeitasse que sob a soturna sotaina se amochavam os “seios nus de sua Sereníssima Majestade" e só se perdeu quando se perdeu de amores por um certo Lambert de Saxe, embaixador em Roma. Tomou-o por amante, engravidou, passou a trajar uns folgados paramentos da Prénatal para disfarçar a silhueta leitosa e barrigudinha à la Senhora do Ó e, para cúmulo da desgraça, o seu relógio biológico escolheu as cerimónias de um Domingo de Aflitos e fê-la parir em público. Aí já de pouco lhe serviu enfrentar a cólera de Roma propondo toda sonsa, toda à toa:"Milagre! Milagre! Não estava nada à espera de tal presente uterino!! É a primeira vez que a um Papa aparece pessoalmente o Deus-menino!".
Era tarde. O Vaticano, mais vermelho no rubor que as barretinas meio-tijelas dos Cardeais, fora testemunha ocular de que o Papa João VIII não era papá, era mamã. Pai, putativo, do puto da Papisa, só mesmo esse tal co-autor do filho com nome de trocadilho: "Lambert de Saxe"! Lambert! "De Saxe"!"Si non é vero é ben trovatto".Se se quisesse encontrar o mais antipático nome para a besta humana duvido que 666 (digo 666 porque é o número apocalíptico da cabala mística) carmelitas descalças juntas em "brain-storm" conseguissem aviar um nome pior que Lambert de Saxe, nome mais malquisto, nome com mais ar de nome verdadeiro do pseudónimo do Anti-Cristo. Lambert de Saxe!
Em parêntesis, digam lá que Lambert de Saxe não parece nome de saxofonista tarado que bate a Praça da Alegria, a soprar às garinas londrinas uns convites acalorados para "play Sax" no Hot Club, digam lá que não faz lembrar cena de um Bocaccio jazzy, quase dá para ver o gatão a tratar por "Joaninha" a Joana que se enfronhou no seu"Saxe appeal" e numas fronhas ronhosas numa Quinta do Lambert!...
A mesma delambida Quinta do Lambert!, já agora, agora olha, onde, não por acaso, a escassos metros desses vales de lençóis, vemos instalado o jornal "Público", jornal "Público" esse onde quase juraria estar a ver, chamada a manchete, uma entrevista exclusiva com o anti-clerical e aziago Saramago autor do "Evangelho" onde o satânico escritor revelasse: "o meu próximo best-seller na Caminho vai ser ainda mais "hard-cover", vai ter por tema o pontificado maldito da Papisa Joana e já tem t¡tulo, é uma "trouvaille" jocosa, vou chamar-lhe: "Lambert de Saxe, Come A Papa-Joana!"...
Até estava capaz de reproduzir um excerto da entrevista com o blasfemo: Do ""Público" retorquia o entrevistador:"Roma, Vaticano, portanto, José Saramago, como pano de fundo do seu próximo romance...O que me traz ao espírito a frase de Resnais,"La Vie Est Un Roman"...Quer comentar, José Saramago?";
Resposta de Saramago:"bom, assim de repente, essa coisa do "La Vie Est Un Roman", só me lembra aquele francês semi-nu com compleição de compota que estava sempre a dizer "Ils sont fous ces romans!"
Público:"E a quem se referia esse crítico literário, aos "romans" de Duras, de Robbe-Grillet, ao "Marienbad"?;
Já há muito tempo que me deixei disso de ser intelectual. Longe de mim desejar uma RTP reduzida a sugestões de leituras de Luísa Mellid Franco e ao TV Artes. Se algum dia escrevesse um romance, em vez de "La Vie Est Un Roman" talvez lhe chamasse "A Vida É Um Romano".Nunca iria à Feira de Frankfurt. Mesmo que fosse para colecta de "royalties",decerto não ligaria aquelas tertúlias que conheço dos "scoops" da revista "Ler",evitaria o IPPL e qualquer pavilhãozito de um Instituto da Leitura italiano, mesmo que em vez de tijolos fosse construído à base de lombadas da enciclopédia Einaudi, tivesse umas janelas com cortinas e vasinhos com micro-cactos que na realidade escondessem dois ecrãs de diaporama onde fossem projectadas imagens holográficas da silhueta hitchcockiana de Umberto Eco a bater à maquina ou de Alberto Moravia de nariz esborrachado no vidro, a meditar no que teria sido a Itália se Rómulo em vez de ter por "nanny" a loba romana tivesse tido o efusivo tórax de Sophia Loren.
Ligaria, quando muito, por mor do trocadilho, se no pavilhão me chegasse um jingle em fundo com marcação de tarantella e letra de Tabuchi com o refrão-slogan :"Par Definition, les Romans Sont Les Italiens". E ligaria sobretudo se visse que por ali andava, como andou na campanha eleitoral italiana, a neta do Mussolini, completamente passada, a imitar um Airbus-32O de asas abertas em saudação e a tentar convencer as pessoas que a doutrina política do futuro seria a que ela designaria por "aviação civil neo-nazi", sigla Lufhtwaffe, visando a
tomada do mundo, diria a auto-alcunhada "Dulce Fria," pela proliferação nos céus de quadrimotores italianos tipo praga de gafanhotos mas com saltaricos azurros e com pilotos, obedecendo todos à divisa absoluta deste regime
aerotransportado (para quem o problema da Alemanha foi o ter
apostado no comboio, no "Reich-do-chão") divisa essa que seria, como não podia deixar de ser "Heil-Italia!".Ligaria ainda mais se a enfrentar a Mussolini se encontrasse no pavilhão a radical Cicciolina do "Partido Do Amor" a mandá-la “Fuher"... Mais do que livros, versalhada, acho que não poderia encontrar melhor animação para uma feira do livro do que duas fulanas à traulitada...Serei talvez um tanto "hooligan".Pão, pão. Papo seco. Cerebralmente oco. Paladino do mau gosto. Não quero ler. Não pretendo escrever romances. Vejo demasiada TV. Os intelectuais afugentam-me. Frágil, tenho compleição de compota. Sou um idiota. Não tenho saber nem ciência. Não sou homem não sou nada. Sou um índice de audiência.
Público- Se bem o entendo, depois do "Evangelho Segundo Jesus Cristo" do José Saramago ter avançado para a metade anglo-saxónica da Galáxia de Gutemberg, o mundo do livro em "paperback",o Rushdie, os "Satanic Verses",as livrarias protestantes do Ulster onde estas edições são um estouro, o José Saramago atira-se agora ao best-seller italiano, à Rebolona, ao Ciociara, ao Umberto Eco?
Tenho medo de Virginia Woolf. Tenho medo do intelectual em geral e do romancista em particular. Não sei se sabem que o Umberto Eco foi internado de urgência no Natal passado. Os médicos desesperaram, o homem a esticar os tacões e eles com o TAC sem saber se o Eco sincopava ou peva, e afinal foi-se-a-ver e o tipo tinha simplesmente comido em excesso. Por ser alarve, as larvas o iam comer. Era um suicídio à Peter Greenway. O Cozinheiro,o Escritor,a Comida, um monte dela. Quando penso nisso, a veia literária fica-me sem pinga. Se eu começasse a concorrer com esse bufão do Umberto Eco, ele ainda me convidava para almoçar. Já viram o perigo, eu a estrebuchar nas traseiras do "Ristorante", vitimado por uma overdose de Parmesan ralado, a minha extremosa esposa a suster-me a cabeça tipo aquela cena da Dama e do Vagabundo, o beijo da morte, o baton dela a saber a ketchup, a minha linda a sussurrar "Estás por um fio..." e eu a largar para a posteridade o meu último suspiro "não é um fio, filha, é pasta consistente, é spaghetti, se os médicos não souberem o grande Marco Bellini saberá do que eu morri, arriverdecci".
Não, não ousaria desafiar Umberto Eco no seu terreno. Se alguma ideia algum dia tivesse, a minha ideia seria mais avacalhar, ser um bocado Luiz Pacheco tardo-barroco, fazer qualquer coisa ao nível dos peitorais de lycra da Claudia Cardinale e das bochechas de Chianti do Ugo Tognazzi, pegar num romance mas num romance secreto, mas pegar-lhe pelo lado mais primário, burlesco, Berlusconni, burlão, pior que um "fumetti" da Vampirella ou que as histórias de sexo explícito com o homem invisível das ordinarices "Art Deco" de Milo Manara, rebolão e licencioso escrever um testamento erógeno concorrente ao género do Octave Mirbeau e do Bunuel de "Diario de Uma Criada De Quarto", vendê-lo com uma capa Valentina desenhada por Guido Crepax, mostrando, sei lá, sob o titulo "Minha lã, meu amor”, assim de repente, talvez a história de uma alcatifa que se apaixonou pelo sumo pontífice que a beijou, o homem de branco acocorado voluptuosamente na carpete de um aeroporto, beijocando sofregamente a passadeira vermelha do protocolo, e esta por sua vez toda a encostar-se com sinuosos requebros de sereia nos seus quadris de Karpex aos beiços da ordenança e cantando para um salivoso balão estilo BD o rifão beijoqueiro, a imitar o papa que também beija o chão que pisa:"me xinga de cabra/me come com paella, me chama de sua ovelha/me esquece enquanto carpete, me mete, me dá tantos beijinhos como se desembarcasses a primeira vez no Tibete, me papa, me leva ao tapete ...".
Agora a sério. A Papisa Joana caiu em desgraça nas circunstâncias referidas, e o seu dossier faz agora companhia nas solitárias do Vaticano ao 3º segredo e aos extractos do Banco Ambrosiano. A Igreja desmente a própria existência da senhora. Do Contra, reza a lenda que a partir dessa data o concílio de prelados que masca fumo branco e promove a eleição de cada novo Santo Padre ter passado a arcar com a tarefa acrescida de verificar a indispensável masculinidade dos candidatos antes da entronização. O eleito sentar-se-ia então numa cadeira de design apropriado, oca nos fundilhos, a chamada "stercoraria"e os cardeais desfilariam ante o bidé protocolar, esgueirando à vez a mão até à vergonha exposta do pretendente após o que inteirados os cardeais profeririam a confirmação sacramental: :”Testículos habet et bene pendentes!"
Talvez não tivesse sido de todo má ideia exumar este másculo ritual no concurso para a atribuição dos canais privados...
Como também seria curioso indagar da receptividade da futura TV da Igreja a um projecto de seriado, porque não intitulado como propunha o meu "ghost writer " Saramago "Lambert Saxe, comi a papa Joana", romanceando a história fantástica da sacerdotisa maria-rapaz, a "Yentl" papiza....
Acho muito saudável que há 1000 anos a Igreja apostólica romana ainda emperrasse ao ponto de se sujeitar a uma gaffe destas. O pior é que a partir daí prevaleceu a Igreja varonil, Santana mas agreste, que viria a redundar na Inquisição e na dantesca queimada de Frei de Torquemada. E o arrependimento manifesto nas concordatas e nas cordatas novas encíclicas que nos últimos decénios emanaram do Vaticano, deram como resultado uma ainda mais lastimável Igreja sem papizas, sem testículos e sem "stercoraria", sem latim, sem cabeção e sotaina mas com pull-over da Manutenção militar e écharpe de escuteiro, sem as inflexibilidades das grandezas góticas e com os carrilhões substituídos por Yamaha-Porta-Sound com desenhos da Fada Sininho e o hino da alegria pré-gravado na voz espiritual de Nana Mouscoury, sem obsoletas Renúncias a Satanás-sim renuncio nos baptismos mas com paramentos Benetton, guitarras eléctricas a fazer serenatas místicas às sorores de Grão Vasco do altar-mor, às capelas de ossos e à Agência Magno, sem mensagem mas com mensageiras modernaças, uma Rádio e uma TV.
A verdade é que com a Igreja pé-de-salsa de pochette e vitrais Multiópticas que é a da Renascença e é a que se projecta no futuro canal, antevista em lengalengas de salão do género "Palavra Puxa Palavra" ou no neo-realismo diocesano dos temas choque do "7Ox7", eu não posso. E não posso crer que lhe tenha sido concedido o alvará. É como se a seita "Moon" tivesse pedido a lua e a tivesse conseguido. A Igreja da TVI‚ a igreja envergonhada dos vendilhões e dos tentilhões do Coro é a síntese impossível da palavra da salvação, do entretenimento, do pecado e da expiação nos sustos e nos tustos. É o "Excelsis Deo" com patrocínio Excel.
Mal por mal antes a Igreja ainda fosse fundamentalista, ortodoxa, espalha-brasas como a do Santo Ofício. O Cardeal Patriarca D. António Ribeiro formularia diariamente para as câmaras homilias com 8 horas de duração
sobre o cisma teológico em torno do hermafroditismo exterior
do anjo exterminador, não absolveria ninguém nem se faria aos
níqueis, mas pelo menos teria a pureza original dos cristãos legítimos, que vingaram e salvaram não dispondo de cabines de
som nem de fotogramas votivos da guedelhuda cirrose de Michael Landon, o arlequim superstar que antes de haver TVI já fazia séries de TVI. Ao menos, a Igreja fundamentalista "Testiculos Habet". Habea Corpus.
A Igreja actual, a Igreja que é inspiração da TVI, nem é masculina, românica, cabeçuda e enquilosada como o Muro das Lamentações, nem se atreve a ser feminina, amorosa, despassarada, humana como chegou a ser a efémera capelinha da Papisa Joana .O que é esta Igreja que ganhou a TVI? Como os anjos e o Michael Jackson tem um sexo discutível. Como comentariam os Baden Powell da francesa La 5 nos seus fogos de campo é "portugais" e "toujours gais".É nova rica. É moralista com conta na CGD. É como aqueles santinhos com o Papa Carol de pôr no tablier. É um bocado polaca e um bocado placa.
Para mim, decididamente não merecia um canal de TV. Isto merecia ser dito. Mas neste ponto o desmérito não é tanto da Igreja como do poder que lha outorgou. O poder é que não passou o teste do "stercoraria".O poder até coraria, se alguém lhe passasse a mão. Não houve naqueles assentos assuntos pendentes. Não houve testículos nem questiúnculas nem litígio. Maternalmente, a montanha pariu um Toppo Giggio.

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