Monday, November 10, 2008

O INDEPENDENTE/CONSOLO REMOTO

A PAPISA


 

O Independente foi um jornal semanário português, fundado em 1988. O seu primeiro número foi publicado a 20 de Maio de 1988 e o último no dia 1 de Setembro de 2006. O seu primeiro director foi Miguel Esteves Cardoso, coadjuvado por Paulo Portas (que viria a ser o segundo director) e por Manuel Falcão. Uma lufada de ar fresco que revolucionou o jornalismo português, foi um contraponto conservador e elitista (mas simultaneamente libertário e culto) à imprensa esquerdista que prevalecia na época. Teve como colaboradores gente como Vasco Pulido Valente, António Barreto, João Bénard da Costa, Maria Filomena Mónica, Agustina Bessa Luís, João Miguel Fernandes Jorge, Joaquim Manuel Magalhães, M.S, Lourenço, Maria Afonso Sancho, Leonardo Ferraz de Carvalho, Pedro Ayres Magalhães, Manuel Graça Dias, Nuno Saraiva, Júlio Pinto, João Miguel Figueiredo Silva, Vasco Pulido Valente, Paulo Nogueira, Rui Vieira Nery e Edgar Pera. Atribuiu uma enorme importância à fotografia, contando com o trabalho de fotógrafos importantes como Inês Gonçalves, Daniel Blaufuks e Augusto Alves da Silva. Enquanto Portas e Helena Sanches Osório faziam estremecer os alicerces do governo cavaquista, com a denúncia semanal e impiedosa de escândalos políticos, Esteves Cardoso no destacável "Vida" ocupava-se da parte cultural, onde continuava a escrever crónicas e textos de superior qualidade. Fazendo dupla com Paulo Portas entrevistou algumas das figuras mais marcantes da política e cultura portuguesa. 
 
 

 
O INDEPENDENTE 
Consolo Remoto 
1990




A PAPISA

 

 

"Na vida real, Keaton acredita em Deus. Mas também acredita que o rádio funciona porque há criaturinhas dentro dele" - Woody Allen, Esquire 

Ainda novo, em termos de Igreja sou um cristão-velho. Renegando o Vaticano II, rechaçando aos gritos de "Mata-frades!"jesuítas e luteranos, para mim a Igreja, no seu "modus operandi", devia ir recuando pelo menos até' aos idos de 800-857 D.C. Quanto mais bafio mais santidade no bafo. 
A essa saudosa calenda, há mais de mil anos, remonta o último pontificado literalmente "cheio de graça" da história da Igreja, o pontificado da proscrita Papisa Joana. A Papisa Joana reinou sob o cognome peludo de João VIII. Fazendo-se passar por homem conseguiu o santo assento de Pedro e Paulo sem que em Roma alguém suspeitasse que sob a soturna sotaina se amochavam os "seios nus de sua Sereníssima Majestade" e só se perdeu quando se perdeu de amores por um certo Lambert de Saxe, embaixador em Roma. Tomou-o por amante, engravidou, passou a trajar uns folgados paramentos da Prénatal para disfarçar a silhueta leitosa e barrigudinha à la Senhora do Ó e, para cúmulo da desgraça, o seu relógio biológico escolheu as cerimónias de um Domingo de Aflitos e fê-la parir em público. Aí já de pouco lhe serviu enfrentar a cólera de Roma propondo toda sonsa, toda à toa:"Milagre! Milagre! Não estava nada à espera de tal presente uterino!! É a primeira vez que a um Papa aparece pessoalmente o Deus-menino!". 
Era tarde. O Vaticano, mais vermelho no rubor que as barretinas meio-tijelas dos Cardeais, fora testemunha ocular de que o Papa João VIII não era papá, era mamã. Pai, putativo, do puto da Papisa, só mesmo esse tal co-autor do filho com nome de trocadilho: "Lambert de Saxe"! Lambert! "De Saxe"!"Si non é vero é ben trovatto".Se se quisesse encontrar o mais antipático nome para a besta humana duvido que 666 (digo 666 porque é o número apocalíptico da cabala mística) carmelitas descalças juntas em "brain-storm" conseguissem aviar um nome pior que Lambert de Saxe, nome mais malquisto, nome com mais ar de nome verdadeiro do pseudónimo do Anti-Cristo. Lambert de Saxe! 
Em parêntesis, digam lá que Lambert de Saxe não parece nome de saxofonista tarado que bate a Praça da Alegria, a soprar às garinas londrinas uns convites acalorados para "play Sax" no Hot Club, digam lá que não faz lembrar cena de um Bocaccio jazzy, quase dá para ver o gatão a tratar por "Joaninha" a Joana que se enfronhou no seu"Saxe appeal" e numas fronhas ronhosas numa Quinta do Lambert!... 
A mesma delambida Quinta do Lambert!, já agora, agora olha, onde, não por acaso, a escassos metros desses vales de lençóis, vemos instalado o jornal "Público", jornal "Público" esse onde quase juraria estar a ver, chamada a manchete, uma entrevista exclusiva com o anti-clerical e aziago Saramago autor do "Evangelho" onde o satânico escritor revelasse: "o meu próximo best-seller na Caminho vai ser ainda mais "hard-cover", vai ter por tema o pontificado maldito da Papisa Joana e já tem t¡tulo, é uma "trouvaille" jocosa, vou chamar-lhe: "Lambert de Saxe, Come A Papa-Joana!"... 
Até estava capaz de reproduzir um excerto da entrevista com o blasfemo: Do ""Público" retorquia o entrevistador:"Roma, Vaticano, portanto, José Saramago, como pano de fundo do seu próximo romance...O que me traz ao espírito a frase de Resnais,"La Vie Est Un Roman"...Quer comentar, José Saramago?"; 
Resposta de Saramago:"bom, assim de repente, essa coisa do "La Vie Est Un Roman", só me lembra aquele francês semi-nu com compleição de compota que estava sempre a dizer "Ils sont fous ces romans!" 
Público:"E a quem se referia esse crítico literário, aos "romans" de Duras, de Robbe-Grillet, ao "Marienbad"?; 
Já há muito tempo que me deixei disso de ser intelectual. Longe de mim desejar uma RTP reduzida a sugestões de leituras de Luísa Mellid Franco e ao TV Artes. Se algum dia escrevesse um romance, em vez de "La Vie Est Un Roman" talvez lhe chamasse "A Vida É Um Romano".Nunca iria à Feira de Frankfurt. Mesmo que fosse para colecta de "royalties",decerto não ligaria aquelas tertúlias que conheço dos "scoops" da revista "Ler",evitaria o IPPL e qualquer pavilhãozito de um Instituto da Leitura italiano, mesmo que em vez de tijolos fosse construído à base de lombadas da enciclopédia Einaudi, tivesse umas janelas com cortinas e vasinhos com micro-cactos que na realidade escondessem dois ecrãs de diaporama onde fossem projectadas imagens holográficas da silhueta hitchcockiana de Umberto Eco a bater à maquina ou de Alberto Moravia de nariz esborrachado no vidro, a meditar no que teria sido a Itália se Rómulo em vez de ter por "nanny" a loba romana tivesse tido o efusivo tórax de Sophia Loren. 
Ligaria, quando muito, por mor do trocadilho, se no pavilhão me chegasse um jingle em fundo com marcação de tarantella e letra de Tabuchi com o refrão-slogan :"Par Definition, les Romans Sont Les Italiens". E ligaria sobretudo se visse que por ali andava, como andou na campanha eleitoral italiana, a neta do Mussolini, completamente passada, a imitar um Airbus-32O de asas abertas em saudação e a tentar convencer as pessoas que a doutrina política do futuro seria a que ela designaria por "aviação civil neo-nazi", sigla Lufhtwaffe, visando a 
tomada do mundo, diria a auto-alcunhada "Dulce Fria," pela proliferação nos céus de quadrimotores italianos tipo praga de gafanhotos mas com saltaricos azurros e com pilotos, obedecendo todos à divisa absoluta deste regime 
aerotransportado (para quem o problema da Alemanha foi o ter 
apostado no comboio, no "Reich-do-chão") divisa essa que seria, como não podia deixar de ser "Heil-Italia!".Ligaria ainda mais se a enfrentar a Mussolini se encontrasse no pavilhão a radical Cicciolina do "Partido Do Amor" a mandá-la "Fuher"... Mais do que livros, versalhada, acho que não poderia encontrar melhor animação para uma feira do livro do que duas fulanas à traulitada...Serei talvez um tanto "hooligan".Pão, pão. Papo seco. Cerebralmente oco. Paladino do mau gosto. Não quero ler. Não pretendo escrever romances. Vejo demasiada TV. Os intelectuais afugentam-me. Frágil, tenho compleição de compota. Sou um idiota. Não tenho saber nem ciência. Não sou homem não sou nada. Sou um índice de audiência. 
Público- Se bem o entendo, depois do "Evangelho Segundo Jesus Cristo" do José Saramago ter avançado para a metade anglo-saxónica da Galáxia de Gutemberg, o mundo do livro em "paperback",o Rushdie, os "Satanic Verses",as livrarias protestantes do Ulster onde estas edições são um estouro, o José Saramago atira-se agora ao best-seller italiano, à Rebolona, ao Ciociara, ao Umberto Eco? 
Tenho medo de Virginia Woolf. Tenho medo do intelectual em geral e do romancista em particular. Não sei se sabem que o Umberto Eco foi internado de urgência no Natal passado. Os médicos desesperaram, o homem a esticar os tacões e eles com o TAC sem saber se o Eco sincopava ou peva, e afinal foi-se-a-ver e o tipo tinha simplesmente comido em excesso. Por ser alarve, as larvas o iam comer. Era um suicídio à Peter Greenway. O Cozinheiro,o Escritor,a Comida, um monte dela. Quando penso nisso, a veia literária fica-me sem pinga. Se eu começasse a concorrer com esse bufão do Umberto Eco, ele ainda me convidava para almoçar. Já viram o perigo, eu a estrebuchar nas traseiras do "Ristorante", vitimado por uma overdose de Parmesan ralado, a minha extremosa esposa a suster-me a cabeça tipo aquela cena da Dama e do Vagabundo, o beijo da morte, o baton dela a saber a ketchup, a minha linda a sussurrar "Estás por um fio..." e eu a largar para a posteridade o meu último suspiro "não é um fio, filha, é pasta consistente, é spaghetti, se os médicos não souberem o grande Marco Bellini saberá do que eu morri, arriverdecci". 
Não, não ousaria desafiar Umberto Eco no seu terreno. Se alguma ideia algum dia tivesse, a minha ideia seria mais avacalhar, ser um bocado Luiz Pacheco tardo-barroco, fazer qualquer coisa ao nível dos peitorais de lycra da Claudia Cardinale e das bochechas de Chianti do Ugo Tognazzi, pegar num romance mas num romance secreto, mas pegar-lhe pelo lado mais primário, burlesco, Berlusconni, burlão, pior que um "fumetti" da Vampirella ou que as histórias de sexo explícito com o homem invisível das ordinarices "Art Deco" de Milo Manara, rebolão e licencioso escrever um testamento erógeno concorrente ao género do Octave Mirbeau e do Bunuel de "Diario de Uma Criada De Quarto", vendê-lo com uma capa Valentina desenhada por Guido Crepax, mostrando, sei lá, sob o titulo "Minha lã, meu amor", assim de repente, talvez a história de uma alcatifa que se apaixonou pelo sumo pontífice que a beijou, o homem de branco acocorado voluptuosamente na carpete de um aeroporto, beijocando sofregamente a passadeira vermelha do protocolo, e esta por sua vez toda a encostar-se com sinuosos requebros de sereia nos seus quadris de Karpex aos beiços da ordenança e cantando para um salivoso balão estilo BD o rifão beijoqueiro, a imitar o papa que também beija o chão que pisa:"me xinga de cabra/me come com paella, me chama de sua ovelha/me esquece enquanto carpete, me mete, me dá tantos beijinhos como se desembarcasses a primeira vez no Tibete, me papa, me leva ao tapete ...". 
Agora a sério. A Papisa Joana caiu em desgraça nas circunstâncias referidas, e o seu dossier faz agora companhia nas solitárias do Vaticano ao 3º segredo e aos extractos do Banco Ambrosiano. A Igreja desmente a própria existência da senhora. Do Contra, reza a lenda que a partir dessa data o concílio de prelados que masca fumo branco e promove a eleição de cada novo Santo Padre ter passado a arcar com a tarefa acrescida de verificar a indispensável masculinidade dos candidatos antes da entronização. O eleito sentar-se-ia então numa cadeira de design apropriado, oca nos fundilhos, a chamada "stercoraria"e os cardeais desfilariam ante o bidé protocolar, esgueirando à vez a mão até à vergonha exposta do pretendente após o que inteirados os cardeais profeririam a confirmação sacramental: :"Testículos habet et bene pendentes!" 
Talvez não tivesse sido de todo má ideia exumar este másculo ritual no concurso para a atribuição dos canais privados... 
Como também seria curioso indagar da receptividade da futura TV da Igreja a um projecto de seriado, porque não intitulado como propunha o meu "ghost writer " Saramago "Lambert Saxe, comi a papa Joana", romanceando a história fantástica da sacerdotisa maria-rapaz, a "Yentl" papiza.... 
Acho muito saudável que há 1000 anos a Igreja apostólica romana ainda emperrasse ao ponto de se sujeitar a uma gaffe destas. O pior é que a partir daí prevaleceu a Igreja varonil, Santana mas agreste, que viria a redundar na Inquisição e na dantesca queimada de Frei de Torquemada. E o arrependimento manifesto nas concordatas e nas cordatas novas encíclicas que nos últimos decénios emanaram do Vaticano, deram como resultado uma ainda mais lastimável Igreja sem papizas, sem testículos e sem "stercoraria", sem latim, sem cabeção e sotaina mas com pull-over da Manutenção militar e écharpe de escuteiro, sem as inflexibilidades das grandezas góticas e com os carrilhões substituídos por Yamaha-Porta-Sound com desenhos da Fada Sininho e o hino da alegria pré-gravado na voz espiritual de Nana Mouscoury, sem obsoletas Renúncias a Satanás-sim renuncio nos baptismos mas com paramentos Benetton, guitarras eléctricas a fazer serenatas místicas às sorores de Grão Vasco do altar-mor, às capelas de ossos e à Agência Magno, sem mensagem mas com mensageiras modernaças, uma Rádio e uma TV. 
A verdade é que com a Igreja pé-de-salsa de pochette e vitrais Multiópticas que é a da Renascença e é a que se projecta no futuro canal, antevista em lengalengas de salão do género "Palavra Puxa Palavra" ou no neo-realismo diocesano dos temas choque do "7Ox7", eu não posso. E não posso crer que lhe tenha sido concedido o alvará. É como se a seita "Moon" tivesse pedido a lua e a tivesse conseguido. A Igreja da TVI' a igreja envergonhada dos vendilhões e dos tentilhões do Coro é a síntese impossível da palavra da salvação, do entretenimento, do pecado e da expiação nos sustos e nos tustos. É o "Excelsis Deo" com patrocínio Excel. 
Mal por mal antes a Igreja ainda fosse fundamentalista, ortodoxa, espalha-brasas como a do Santo Ofício. O Cardeal Patriarca D. António Ribeiro formularia diariamente para as câmaras homilias com 8 horas de duração 
sobre o cisma teológico em torno do hermafroditismo exterior 
do anjo exterminador, não absolveria ninguém nem se faria aos 
níqueis, mas pelo menos teria a pureza original dos cristãos legítimos, que vingaram e salvaram não dispondo de cabines de 
som nem de fotogramas votivos da guedelhuda cirrose de Michael Landon, o arlequim superstar que antes de haver TVI já fazia séries de TVI. Ao menos, a Igreja fundamentalista "Testiculos Habet". Habea Corpus. 
A Igreja actual, a Igreja que é inspiração da TVI, nem é masculina, românica, cabeçuda e enquilosada como o Muro das Lamentações, nem se atreve a ser feminina, amorosa, despassarada, humana como chegou a ser a efémera capelinha da Papisa Joana .O que é esta Igreja que ganhou a TVI? Como os anjos e o Michael Jackson tem um sexo discutível. Como comentariam os Baden Powell da francesa La 5 nos seus fogos de campo é "portugais" e "toujours gais".É nova rica. É moralista com conta na CGD. É como aqueles santinhos com o Papa Carol de pôr no tablier. É um bocado polaca e um bocado placa. 
Para mim, decididamente não merecia um canal de TV. Isto merecia ser dito. Mas neste ponto o desmérito não é tanto da Igreja como do poder que lha outorgou. O poder é que não passou o teste do "stercoraria".O poder até coraria, se alguém lhe passasse a mão. Não houve naqueles assentos assuntos pendentes. Não houve testículos nem questiúnculas nem litígio. Maternalmente, a montanha pariu um Toppo Giggio.

João Miguel Figueiredo Silva

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